Direito Desportivo

Caso Dudu e a Lei Maria da Penha: uma breve reflexão

A notícia da suposta agressão do jogador Dudu do Palmeiras à sua ex-esposa, Mallu Ohanna Neves Rodrigues, ocorrida em 22 de junho de 2020 e amplamente veiculada pela imprensa nas últimas semanas, reacende, pelos seus desdobramentos até o momento, a necessidade de uma breve e importante reflexão sobre a chamada Lei Maria da Penha.

A Lei Maria da Penha, denominação dada à Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, foi elaborada com o objetivo de criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 1º da Lei), regulamentando o art. 226, §8º, da Constituição Federal, segundo o qual “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

O referido diploma legal buscou dar efetividade ao princípio da igualdade, estatuído no art. 5º, I, da Constituição Federal (​1), uma vez que visou a garantir o equilíbrio na relação entre homem e mulher, exatamente em razão dos abusos historicamente sofridos por esta, diante de sua hipossuficiência e fragilidade, inclusive sob o aspecto físico.

Ocorre que, com a aplicação prática da lei, algumas distorções começaram a acontecer, como a existência de denúncias falsas por parte de mulheres, que passaram a se utilizar da legislação não como meio de proteção à sua integridade física e moral, mas, principalmente, como forma de retaliação ou vingança em suas relações pessoais.

É que a mesma lei que deu a necessária proteção à mulher forneceu também a ela uma arma perigosa, que, mal utilizada, pode gerar consequências desastrosas, sendo cada dia mais comum casos de homens vítimas de processos injustos ou com antecedentes forjados em inverdades.

A dificuldade em se coibir esse comportamento deturpado da mulher está na falta de estrutura investigativa e aparelhamento do Estado, que, dificilmente, consegue constatar tal situação em sua origem. A ausência de uma triagem mais apurada no início do procedimento faz com que os conflitos
originados de denúncias falsas acabem tomando proporções maiores e desnecessárias, mobilizando as Delegacias de Polícia e o Poder Judiciário.

As consequências desse desvirtuamento das finalidades da lei são de toda ordem, tanto para o suposto autor das agressões, como para a suposta vítima.

Na seara penal, as implicações para a suposta vítima das agressões e autora das denúncias falsas podem ser desde a caracterização de crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação) até a configuração de delito mais grave, como é o caso do crime de denunciação caluniosa, previsto no art. 339 do Código Penal ​(2), que prevê pena de reclusão de 02 (dois) a 08 (oito) anos e multa.

Já quanto ao suposto autor das agressões e vítima das falsas denúncias, este tem a sua imagem denegrida injustamente, o que lhe permite buscar uma reparação civil pelos danos morais e materiais sofridos, situação essa que é agravada quando se está diante de pessoas públicas, como é o caso dos jogadores de futebol.

No âmbito desportivo, mesmo sem a completa apuração dos fatos, as denúncias de prática de infração penal podem ensejar, além do linchamento moral do jogador por parte de torcedores e do público em geral (o que pode levar ao encerramento precoce de sua carreira), a imediata rescisão do contrato especial de trabalho desportivo, por justa causa, se houver previsão contratual nesse sentido, ou mesmo a suspensão do contrato pela entidade de prática desportiva a que o atleta está vinculado ​(3), como ocorreu com o goleiro Jean, ex-São Paulo, acusado de agredir a esposa em dezembro de 2019 nos
Estados Unidos, onde ocorreu o arquivamento do processo por desistência da vítima.

No caso do jogador Dudu do Palmeiras, recém emprestado ao Al-Duhail do Qatar, em transação acertada no último dia 09 de julho de 2020, não há como se afirmar, ainda, acerca da falsidade ou não da denúncia contra ele apresentada, uma vez que as investigações se encontram apenas no início,  mas já se sabe, pelas imagens até então divulgadas, que a agressão, ao que tudo indica, teria partido da ex-esposa do jogador – de quem ele está separado desde fevereiro deste ano –, a qual, inclusive, teve seu pedido de medida protetiva indeferido pela Justiça ​(4). Por outro lado, vale registrar que o atleta já
foi condenado anteriormente pela prática da contravenção penal de vias de fato, prevista no art. 21 do DL nº 3.688/41 ​(5), por ter agredido a mesma vítima e a sua ex-sogra em 2013 ​(6).

Por fim, cumpre acrescentar que outros jogadores de futebol já foram alvo de acusações de agressão e até de estupro contra mulheres (fora do âmbito doméstico da Lei Maria da Penha), que acabaram sendo arquivadas por ausência de indícios mínimos de prova, como os recentes casos dos jogadores Neymar, do Paris Saint Germain, e Cazares, do Atlético/MG, ambos ocorridos em 2019.

Portanto, o que se quer dizer aqui é que, diante da notícia de uma suposta infração penal praticada especialmente no âmbito da Lei Maria da Penha, é preciso cautela e rigor na apuração dos fatos, mas, antes disso, é necessária a conscientização da mulher de que a referida lei veio para ampará-la em caso de violência real e efetiva (física ou psicológica) contra ela cometida e não para solucionar problemas conjugais de outra espécie, devendo ficar ciente das graves consequências que seus atos podem acarretar. É preciso, ainda, ampliar a estrutura investigativa e triar os casos na origem com mais eficiência, para evitar que essas situações, decorrentes da má utilização da Lei nº 11.340/06, ocupem, de forma desnecessária, as Delegacias de Polícia e cheguem a bater às portas da Justiça.

(1) 1 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição

(2) Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que sabe inocente:
Pena – reclusão, de 2 (dois) e 8 (oito) anos, e multa.
§1º. A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.
§2º. A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção. 

(3) https://www.torcedores.com/noticias/2020/01/jean-teve-contrato-suspenso-e-nao-rescindido-saiba-o-porque

(4) https://globoesporte.globo.com/futebol/times/palmeiras/noticia/noticias-palmeiras-dudu-video-esposa-agressao.ghtml 

(5)  Art. 21. Praticar vias de fato contra alguém: 

Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis, se o fato não constitui crime. 

(6) http://globoesporte.globo.com/futebol/times/palmeiras/noticia/2015/05/por-agressao-esposa-em-2013-dudu-vai-prestar-serviços-comunitarios.html 

 —
Autoria: Mariana Carneiro de Rezende Rossi – Assessora Judiciária no Tribunal de Justiça de Minas Gerais | Pós-graduanda em Direito Desportivo pela Faculdade Brasileira de Tributação/São Paulo
Imagem: br.bolavip.com

Curso de Direito Desportivo – Faça agora mesmo: Clique aqui e confira.

Acompanhe nosso trabalho pelas redes sociais, clique e confira:

Facebook | Twitter | Instagram | Youtube

Leave a reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.